segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A arte urbana em suas diferentes manifestações deixa seus rastros pelas ruas de Fortaleza



Dos ateliês e museus influenciados pelo Iluminismo, onde telas e mais telas recobriam de cima a baixo as paredes, passando pelo cubo branco modernista, cuja neutralidade abrange a pureza estrutural das obras, a arte chegou às ruas. A cidade se transformou em corpo para suas manifestações poéticas. Segundo a curadora Kátia Canton, livre-docente em Teoria e Crítica de Arte da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), nos anos 1960, sobretudo no Estados Unidos, muitos artistas estimulados por um espírito de tempo envolvido com a experimentação passaram a questionar a institucio-nalização da arte pelos museus. "Na tentativa de transformar o espaço de ´fora´, em oposição aos espaços institucionais das paredes museológicas, o espaço de ´dentro´, eles se lançaram à ocupação do espaço externo", explica a pesquisadora.

A urbe e a variedade idiossincrática de seus habitantes, arquitetura, sinalização, trajetos e códigos cotidianos são, cada vez mais, apropriados por desenhos, esculturas, objetos e escrituras. Expressões que demarcam memórias e sentimentos, diluindo os limites entre as figurações rotineiras, imagens reais e a própria produção artística.

"No emaranhado disperso da vida cotidiana, afinal, procuramos o eu através do outro, rastreamos nossas histórias e abrimos nossos diários íntimos na tentativa de nos oferecer verdadeiramente para o mundo. É essa troca genuína de memórias e de sentidos o que buscam os artistas contemporâneos", defende Kátia Canton.

Arte Urbana

Também conhecida como "street art", a arte urbana foi, a princípio, um movimento underground, que se constituiu como forma de fazer artístico, acolhendo inúmeras modalidades de grafismos, que vão do grafite propriamente dito ao estêncil, passando por "stickers", cartazes lambe-lambe, mas também intervenções, instalações, "flash mobs" e performances.

Inicialmente a ideia de arte urbana foi associada aos pré-urbanistas culturalistas, como John Ruskin ou William Morris, e posteriormente ao urbanismo culturalista de Camillo Sitte e Ebenezer Howard. O termo era utilizado para identificar o "refinamento" de determinados traços executados pelos urbanistas ao "desenharem" a cidade. Contudo, o conceito sofreu uma ampliação. O diálogo dos artistas com o espaço público gradativamente modificou-se. Incorporando uma infinidade de traços e jeitos de se expressar, como uma espécie de recuperação da subjetividade.

O curador Ricardo Resende acredita que, na atualidade, a Arte Urbana parece ser a forma de manifestação artística que mais interessa para se pensar arte e vida. "Ela se dá sem barreiras ou intermediação com o público que será sempre espontâneo, o passante. É a arte fora dos espaços de consagração e de mercado. É a arte na sua verdade e sinceridade. O artista, a obra e o público a interferirem no tecido urbano de nossas cidades. Muitas vezes funcionam como a crítica mais contundente diante da perda e da dilaceração da cidade como ideia humana de lugar de convívio", diz.

Resende observa que, muitas vezes, a Arte Urbana é conflituosa, como ainda é no caso do grafite, já que até há pouco tempo esta manifestação artística não distinguia o que é público e o que é privado. Situação que criminalizava e, mesmo depois desta assimilação recente do grafite, de aceitação, ainda coloca o artista na ilegalidade.

"Essa manifestação artística sempre existiu. Temos o teatro de rua, o circo, os cantores de porta de metrô, os malabaristas nos cruzamentos das ruas nas cidades, os vendedores de quadros nas feiras de arte e artesanato, e assim vai. O que aconteceu recentemente foi o interesse dos artistas e críticos de arte pela arte politizada e que interage com o público (Hélio Oiticica quando sobe os morros cariocas) que tem nas ruas o seu melhor lugar e que escapa dos museus com suas salas que confinam a arte, principalmente aquela mais libertária".

Segundo o sociólogo e artista visual Júlio Lira, a arte urbana é como uma zona de confluência entre arte, arquitetura e espaço urbano na qual emergem obras com qualidades formais e materiais que são dispostas e acessíveis para a fruição estética por públicos variados, tal como acontece com os monumentos em praças desde meados do século XX.

O pesquisador também destaca que o conceito se refere às práticas artísticas que não mais usam o espaço como suporte ou elemento, mas que, apoiadas em estratégias de interação, negociação, agenciamentos, colaborações se propõem a provocar novas territorialidades onde as fronteiras entre arte e cotidiano se apresentam diluídas. Assim, grande parte da arte urbana deixa de trabalhar com produtos (esculturas, marcos etc) e passa a trabalhar com processos e relações. "Só com eventuais parceiros ou com o Coletivo Mesa (Mediação de Saberes) venho desenvolvendo vários trabalhos que se propõe a fugir da busca de representações, colaborando para o processo de reescrita da cidade", diz.