quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Discriminação No Ato de Doar Sangue



Doação de sangue é o processo pelo qual um doador voluntário tem seu sangue coletado para armazenamento em um banco de sangue ou hemocentro para um uso subsequente em uma transfusão de sangue. Trata-se de um processo de fundamental importância para o funcionamento de um hospital ou centro de saúde.
No Ceará, a instituição governamental que cuida do atendimento e distribuição do sangue doado é o Hemoce.


O que se passa?
"Com minha mãe internada, eu desempregado por livre e espontânea pressão, e muitas coisas a resolver, decidi então cuidar do repouso e da recuperação dessa jovem senhora que chega aos seus 50 anos com vigor e alegria de uma mocinha de 22 (em menção a Lily Allen).
Para concluir todo o processo da operação, e acabar com a unica pendência que minha mãe deixaria ao hospital, que seria repor as bolsas de sangue usadas nos procedimentos pós cirúrgicos, decidi ajudar, junto com minha irmã, meu cunhado e meu pai. Fui ao Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará, mais conhecido como HEMOCE, decidido então em ajudar não só minha mãe com aquela bolsa do meu sangue, mas também a outras pessoas que viessem a precisar...

O passo a passo da doação é bastante simples: Realizado o cadastro, com os dados do doador, ele é encaminhado a uma sala, depois de pesar-se, e lá é medida a pressão arterial, conferida a temperatura corporal e após isso, é encaminhado para a sala da entrevista. (ah.. é aí que a historia começa a ganhar sentido..)
A enfermeira que realiza uma entrevista elaborada de acordo com os parâmetros exigidos pela Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, nº 153, de 14 de junho de 2004.


O Problema começou aqui
As perguntas realizadas, desde o início, tinham um tom um tanto que direto e objetivo, buscando muitas informações e todos os detalhes da minha vida pessoal, social, amorosa.. e tudo mais que imaginarem.
Exemplos simples:
-Já usou algum tipo de droga, se sim Quais?
-Tem lembrança de algum desmaio desde os tempos de criança?
-Já saiu com prostitutas?
-Teve problemas respiratórios desde a infância?
(...)
O prazer em doar, e em saber que poderia fazer aquilo mais vezes e por mais pessoas levou-me a atender os pedidos básicos de não omitir nenhuma informação e ser bem claro nas respostas.
E assim o fiz. Houve uma pergunta sobre relacionamentos e relações sexuais. Respondi abertamente, assim como fui orientado logo no início.
Resultado:
Fui inabilitado para o ato de doação por ter um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo.
*Bateu uma tristeza, depois uma leve preocupação, irritação e desgosto.

E agora?
Ainda quando escutava a enfermeira explicar que isso não queria dizer nada, que também não concordava com aquilo, e que achava que mudanças iriam surgir, dentro das próximas alterações nas cláusulas do documento oficial de onde as questões são elaboradas comecei a pensar no quanto aquilo foi constrangedor para mim. Nada que ela falasse iria me tranquilizar, pois não era justo! eu não posso doar sangue porque sou homossexual?. Eu a muito tempo não sentia o gosto infernal de ser alvo de algum tipo de preconceito ou discriminação partido de alguém que eu não esperava de jeito nenhum, e que de certa forma eu já teria criado até uma expectativa acerca daquilo. Não consegui me segurar, e deixei as lágrimas correrem, já que eu não poderia fazer nada. Fiquei muito triste, e não quis ver ninguém mais naquele dia. Fui para casa. Ainda na ida, comecei a pensar no que havia acontecido.
Poxa vida... Era um sonho meu doar sangue, e só porque sou gay não posso? Isso não é justo. Será que eles nem imaginam que tanto um homossexual quanto um heterossexual podem ser portadores de todo e qualquer tipo de doenças? Poxa.. que chateação!
Quis sumir.
Senti-me sem utilidade nenhuma, por mais que tenha passado por muitas outras experiencias que me ajudaram a levar sorrisos a pessoas que a tempos não sorriam, ou atenção a quem não tinha atenção, palavra amiga quando todos haviam virado as costas. Eu tinha um objetivo ali, o de DOAR SANGUE. E não posso porque amo uma pessoa do mesmo sexo que eu?

Saí de lá triste, mas vivo. Cheguei em casa, conversei com algumas pessoas e percebi que muitas delas não faziam nem idéia de que isso acontecia. Algumas ficaram tão revoltadas quanto eu mesmo. E então comecei a buscar mais informações.
Estava alí, na cara que aquilo era a forma mais tosca de expressar o preconceito, mas precisava ter certeza de onde surgiu aqui, de onde veio essa decisão, de onde partiu essa cláusula. Fui até a Ouvidoria do HEMOCE para reclamar da situação.

Entendendo o que aconteceu depois...
A doutora que me atendeu na Ouvidoria pediu desculpas em nome do Hemoce por eu ter apresentado a ela o tamanho da minha chateação, por causa do que aconteceu, e disse logo que também não concorda com isso. Essa determinação é muito polêmica mesmo. Outras pessoas já haviam procurado o mesmo departamento para falar do assunto. Na Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, eles usam os seguintes termos para identificar as pessoas que não podem doar sangue:


Sem eufemismo algum, vou direto ao assunto: Descriminação Sexual e Preconceito!
Mesmo fazendo parte dos padrões do atendimento!

Sinceramente, a idéia a princípio, do ministério da Saúde pode até ser muito boa, mas não tem nada a ver associar nos tempos de hoje, doenças sexualmente transmissíveis como um mal único e exclusivo dos homossexuais. Isso não está certo e aconteceu descaradamente comigo. A propria doutora falou a opinião dela, que defendeu comigo todos os momentos:
-Se duvidar, existem muito mais heterossexuais infectados por aí que homossexuais, porque os homossexuais zelam mais por um cuidado, mesmo os relacinamentos sendo duradouros ou não. Já os héteros sentem-se no direito de sair e buscar sexo rápido e fácil nas primeiras oportunidades, tornando-os assim, mais vulneráveis aos riscos.

E é a mais pura verdade...
Quer dizer que todos os homossexuais tem alguma doença no sangue?
 -Ora bolas...isso não existe!
Mas agindo dessa forma, o governo acovarda-se, pois sendo doado por uma gay ou não, o sangue passa antes de ser feita a transfusão por minuciosos testes para identificar possíveis problemas. É preconceito e nada mais justifica isso.

Quem fez essa merd* ?
Segundo a mesma doutora que atendeu minha reclamação na ouvidoria, as pessoas responsáveis por elaborar essas cláusulas e modificá-las se preciso são membros de uma diretoria colegiada que vem de época em época fazer levantamento de dados baseados nas coletas desse período.
Pessoas ganham dinheiro para disseminar preconceito aqui no Brasil, sem importar-se que se todos os heterossexuais da Terra estivessem doentes, e apenas restassem os gays saudáveis, iriam continuar sem autorizar a doação só pelo fato de a pessoa não ter a mesma orientação sexual que ela.
Foda essa forma de entender as coisas na marra.
Ao negar a doação de sangue por homossexuais, o Estado comete dois graves equívocos: a invasão da privacidade e a discriminação dos homossexuais; e a condenação de seres humanos que precisam do sangue doado por alguém. Isso não é suficiente? Que tipo de democracia e socialização exclusoria é essa?

Direitos iguais, nem mais, nem menos: doação já!